quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Sala de espera - Por hadil Almeida

 


Sala de espera

 

Sentamos bem juntinhos! Meu braço esquerdo em volta do ombro dela enquanto ela segurava fortemente minha mão direita, quase que tremendo. Beijei a testa dela. Respirei profundamente tentando me tranquilizar, tentando parecer seguro do que pretendíamos fazer, para que ela ficasse mais calma e confiante embora eu estivesse morrendo de medo por dentro. Mas não podia demonstrar o quanto aquela ansiedade me afectava, como me sentia traído por mim mesmo por ir contra um dos meus maiores princípios; viver a vida sem arrependimentos.

Ela olhou para mim com lágrimas escorrendo seu rosto e perguntou com a voz ofegante:

- E se algo der errado? E se acontecer algo comigo?

- E se tudo der certo? - retruquei

- Me diz que tudo vai terminar bem. - ela suplicou.

- Eu te amo, te amo muito. - respondi.

Ela me abraçou com tamanha afeição. Deu para sentir a intensidade do aroma do perfume dela  borboletando pelo ar. Fechei os olhos e menti pra mim mesmo que estávamos fazendo o que era melhor para nós.

 

- Weza! Senhorita Weza!. - gritou a enfermeira. Nos espantamos e nos entre olhamos ao ouvir o nome. "Weza", traduzido do kimbundo tem como significado "veio" em português, e, sabíamos que a vinda da nossa primeira filha mudaria nossas vidas de mil maneiras diferentes, eis o porquê da escolha do nome. Era o nome que planejamos dar à nossa primeira filha. Mas ainda assim lá estávamos nós, com olhar repleto de amargura olhando um para o outro incertos das certezas que tínhamos, esperançosamente desesperados e sentados na sala de espera duma Clínica médica clandestina prontos para fazer um aborto.

- Senhorita Weza - chamou de novo a enfermeira. Uma rapariga que aparentava estar no limiar da adolescência se levantou e foi com uma enfermeira. A enfermeira que chamou disse:

- Os próximos são os senhores. - apontou para nós.

Senti um calafrio como nunca. Não consegui mais esconder minha insegurança. Queria orar, mas sabia que nenhum deus ouviria minhas preces. Que se tratava mais do que a simples percepção de que é um aborto, mas sim o facto de ser o assassinato da minha filha, da nossa filha.

- Não consigo te imaginar fazendo isso E se algo acontecer contigo? - perguntei desesperado.

- E se tudo der certo? - ela retrucou.

- Ainda que nada correr mal, mas será a coisa certa? Para nós e para o bebê?

- Eu não sei porras! - gritou ela. A recepcionista e mais duas pacientes olharam para nós. Levantei.

- Pra onde você vai? - ela perguntou.

- Não sei. Só não consigo mais ficar sentado - falei alto.

- Abortem logo é rápido! Eu já fiz duas vezes. Essa coisa crescendo na tua barriga vai estragar teu futuro menina. - disse uma das pacientes que também estava na sala de espera.

 

Minha namorada levantou também. Limpou as lágrimas e disse:

- Vamos embora!

- Sério?

- Eu não sei caralho! - ela gritou de novo usando linguajar.

- Okay então vamos. - falei sem convicção.

Paramos em pé. Literalmente com um pé atrás outro em frente. A única certeza que tínhamos é que não tínhamos certeza de nada naquele instante.

Segurei a mão dela com confiança. E sem dizer nada comecei caminhando em direção a saída, ela me acompanhou hesitando em não hesitar. Ficamos na paragem de frente a clínica por um longo tempo em silêncio. Finalmente subimos num táxi qualquer o importante era ir mais longe possível daquele lugar.

 

Ouvi um grito: "Meu Deus!". E dentro de mim perguntei: "Será que o teu Deus existe mesmo?". Minha namorada gritou meu nome. E tão logo percebi que o primeiro grito foi do motorista, o carro despistou da estrada, e, tudo ficou preto, não sei... Não sei o que aconteceu de seguida. Porque a morte não me contou o que eu estava fazendo na sala de espera entre o inferno e o paraíso.

 

Por [HADIL ALMEIDA]

Um comentário:

  1. Um belo texto. Parabéns.estou a ler o texto na sala de espera... Agora fui chamada encontra-me no paraíso. Porque o próximo a ser chamado serás tu.

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