sábado, 25 de fevereiro de 2023

Cazola - Um conto de Hadil Almeida

 


A paragem de táxi estava lotada e agitada com o movimento dos passageiros desesperados por táxis; os gatunos de carteiras estavam todos misturados como “um só povo e  uma só nação.” Havia um cobrador discutindo com dois lotadores, um deles gritava: “Mô Velho! Nós enchemu o carro falta nguesso.” E o cobrador relutantemente dizia que não acrescentaria mais. Olhei para o chão por pura espontaneidade e vi uma nota de cinco mil kwanzas, “Cazola.” Pensei logo. Fingi limpar os calçados, apanhei como se nada fosse e enfiei bolso a fundo. Assustei completamente quando alguém segurou meu braço com força. Olhei para o lado e por alguns segundos fiquei com os pensamentos em branco, mas em fracção de segundos reconheci. Era o Quinzinho, filho da Tia Marta do Pincho. Abraçou-me calorosamente e pediu que eu subisse no táxi azul-e-branco que ele estava a conduzir. Parece que ninguém tinha visto a cazola dos cinco mil. Entrei no táxi dele e fomos. “A Manucha `Tá bem? Ainda estão juntos? Eh! Você amava bwe aquela dama, yah.” Comentou ele sorrindo enquanto relembrava as nossas antigas aventuras, nem consegui responder sobre a Manucha porque ele continuou empolgado e falando. Deu-me dois mil kwanzas quando desci, insistiu que eu recebesse e levou o meu número.

Tão logo entrei no escritório, um casal de colegas meus vieram ter comigo desesperados para que eu ajudasse a resolver um problema antes que o boss chegasse. Ajudei imediatamente. A Marta disse: Eu não sei o que seria de mim sem você, yah”. “Vais descobrir.” Pensei. Ela abraçou-me. O Assistente dela prometeu pagar umas fresquinhas no final do dia, eu aceitei.

No final da reunião naquele dia, liderei a minha equipa a conseguir um grande contracto para a empresa. Meu boss estava bastante empolgado, chamou-me num canto e fez-me assinar um documento para que eu recebesse uma comissão dos ganhos. Tão logo acabei de assinar, pensei: “Cazola! Tô bolado.” Ele apertou minha mão firmemente e pediu para que eu não me acomodasse e fizesse mais, que eu estava próximo de me tornar sócio júnior. 

Sentamos em um restaurante com a minha equipa, para festejar aquele dia e distribuí metade do bónús que eu havia ganho, mesmo eles já tendo recebido da empresa. Uns ficaram se questionando, outros ficaram tão emocionados que só continuaram a festejar gritando: “Cazola”, imitando uma das palavras que eu mais repetia nas conversas. 

“Chefe!  Por que és sempre bem motivado? Os chefes doutros departamentos estão sempre de cara trancada, mal-humorados, mas o chefe está sempre a nos fazer rir e nos fazer trabalhar ao mesmo tempo!” Um deles perguntou. E e pelo silêncio percebi que os outros também esperavam uma resposta. 

“Eu quando chego no trabalho deixo na porta o fardo da minha mochila dos problemas. Fico focado no trabalho e no alto desempenho de todos com quem lido. E quando saio do trabalho, não levo o fardo do trabalho para outros lugares. Não carrego pesos desnecessários para criar outros problemas que não consigo lidar.” Ele pareceu estar satisfeito pela resposta independentemente de ser verdade ou não, então parei por aí.  

A Marta chamou-me num canto e perguntou o que eu queria conversar no outro dia quando fomos interrompidos. Eu disse que não era nada. “É sobre a Manucha?” ela perguntou. Neguei mentindo que já tinha resolvido o assunto. Ela deu com os ombros e voltou à mesa. Eu saí de fininho e dirigi-me para minha casa.

 Assim que abri a porta da minha casa, senti o clima pesado, aquele era eu carregando o fardo pesado demais que ambientava aquele lugar. Fechei a porta atrás de mim e me dirigi para o quarto do bebè. Tudo decorado conforme a Manucha queria, aquela mulher é detalhista e chata. Eu sorri pensando na minha alma gemêa, Fui à cozinha e ela não estava lá, nem barulho de panelas, nem a rádio tocando música como ela gostava sempre, e eu chegava sempre gritando de sarcasmo: “Hoje em dia já tem o spotify, weh!” “Eu prefiro mesmo as músicas aleatórias na rádio. Me deixa, pah.” E essas falas frequentes sempre terminavam em beijos, abraços, por vezes um presente para ela e a minha pergunta clássica: “Hoje vamos jantar o quê?”

Mas naquele dia era diferente, mais uma vez. Ainda vestido do terno, despi-me apenas dos sapatos, casaco e da gravata. Entrei no banheiro cheio de água fria. Retirei a carta da minha pasta de trabalho, eu carregava todos dias, e, coloquei aí mesmo num cômodo perto visível sem sair do banheiro. Abri a minha carteira e fiquei reparando nos recortes de fotografias minhas e da Manucha grávida. Lembrei do dia em que ela me disse chorando que estava grávida de mim e na família dela teria problemas, eu respondi: “Olha só para tua cazola! Eu vou estar contigo nesse mambo para o que der e vier.” Ela sorriu parando logo de lacrimejar. E hoje, cá estou eu, sem a mulher da minha vida, nossa filha nem nasceu, e a culpa é daquele maldito acidente, que sei que todo mundo só diz que não é minha culpa para me confortar. Respirei fundo, tomei aqueles comprimidos, e deixei o mau estar me levar debaixo d´água até não puder mais respirar.   

3 comentários:

  1. Pesado, relaxado e profundo.

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  2. Jonas Timóteo Manuel4 de abril de 2023 às 06:12

    Eu gostar de ter a mesma cazola😊😊

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  3. Estava a espera de um outro final. Conto super agradável de ler!

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