"Não lembro bem o que senti nem o que aconteceu, mas me recordo de ter acordado por cima dos cacos da mesa de vidro quebrada no meio da sala, com leves ferimentos em minha testa, fui para o quarto e lá estava uma mulher desconhecida, seminua em minha cama." - Hadil Almeida

 

Foram três noites. Uma para cada sentimento. Na primeira noite, tudo o que senti foi ódio de mim mesmo por estar em lutas infindáveis em busca de recuperar a minha melhor versão, e, não ter encontrado ainda; Na segunda noite, tudo o que senti foi raiva, que transformei em motivação e dei por mim trabalhando até amanhecer; Na última noite, bem, nessa noite... Não lembro bem o que senti nem o que aconteceu, mas me recordo de ter acordado por cima dos cacos da mesa de vidro quebrada no meio da sala, com leves ferimentos em minha testa, fui para o quarto e lá estava uma mulher desconhecida, seminua em minha cama.

 

"Que merda aconteceu?" Foi a primeira coisa que me perguntei. Reparei no pijama preto com listras brancas que eu estava usando. Um pouquinho ensanguentado em algumas partes.

 

Acordei a mulher deitada na minha cama. Ela despertou sorrindo para mim, e com a voz doce cumprimentou. "Bom dia, amor! Te feriste outra vez!"

 

Afastei-me dela rapidamente, agora, um pouco mais confuso com o que havia acontecido naquela terceira noite. "Levanta e sai do meu apartamento!" Disse friamente. Ela apenas sorriu. Deitou-se novamente dando costas para mim. "Sai do meu apartamento!" Falei quase que gritando dessa vez.

 

Ela levantou, cobrindo-se com os lençóis e dirigiu-se ao quarto de banho. Voltou com um kit médico de primeiros socorros. Deixou cair o lençol. Pude vê-la nua. Vestiu minha camisola e um calção feminino bem curto. Eu estava apenas observando sentado na cama. Ela aproximou-se, abriu o kit de primeiros socorros fez-me rápidos curativos. E em seguida, entregando-me um papel que por curiosidade tivera sido escrito por mim, reconheci minha caligrafia. Ela sorriu.

 

Comecei lendo o texto no papel:

 

"Maldito princípio de Alzheimer! Que me faz esquecer quem eu sou vez sim, vez não.

 

Querido Eu, sem memória! Se estiveres vestido de um pijama listrado, saiba que odeias, e, ela adora essa piada e te faz vestir quando ficas sem memória! Se esta carta te foi entregue por uma linda mulher, então ame-a como se fosse seu último dia e dê para ela o melhor dia de sempre. Porque ela ainda não desistiu de ti nesses últimos anos que não têm sido nada fácill.

 

Provavelmente voltaste a quebrar alguma coisa no apartamento. Sempre foste desastrado, e por um desastre de sorte, caiu em seus braços essa mulher a quem vais ter de pagar a mobília que ela tanto ama.

 

Se não te lembras da noite de ontem veja as fotografias que tiraste. Estão na maleta do kit de primeiros socorros."

 

Verifiquei logo as fotografias na maleta. E vi fotos minhas com a mesma mulher que estava aí comigo. Parecíamos nos divertindo  imenso, aos beijos e abraços. E como surpresa, havia fotos nossas com uma bebê. Não consegui conter minhas emoções.

 

"Nossa filha completou um ano ontem." ela disse sorrindo, limpando suas próprias lágrimas. Abracei-a afectivamente mesmo sem ainda perceber tudo o que se passava.

 

"Me leva onde está a bebê." pedi. Ela indicou-me a porta.

 

Em passos lentos, caminhei até entrar devagarinho no quarto que estava pintado de rosa e cheio de colagens de fotos nossas por quase todas quatro paredes. Fotos antigas, fotos da gravidez, inclusive as de ontem a noite. A bebê estava vestida dum pijama com os dizeres. "Pai, teu nome é Edgar"

Ler aquelas palavras foi como o estalo dos dedos para o despertar da hipnose, dei um suspiro profundo acompanhado dum longo fechar de olhos, quando abri falei. "E o teu nome é Alice, minha filha." Lembrei de tudo lacrimejando. Tentei pegar a Alice, minha esposa interrompeu-me.

 

"Não, não. Seu pijama feio está meio sujo de sangue." limpou algo coisa em meu rosto e prosseguiu dizendo. "Isso sempre resulta para recuperares sua memória. Vou começar a achar que amas mais a nossa filha do que a mim." Disse a minha esposa sorrindo parada logo atrás de mim.

 

Respondi sorrindo. "Podes ter certeza que a amo mais do que a ti." Ela caiu em gargalhadas. E naquele belo instante em que os raios de luz do sol brilhavam no rosto dela beijei-a. Subitamente, no berço a bebê disse: "Papa" suas primeiras e eternas palavras cravadas em nossos corações para sempre. A minha esposa olhou para mim dizendo. "Merda! Você ganhou a aposta."

 

Hadil Almeida

#LoboNaLuaCheia

#UmaBoleiaDoDestino

#GuerraAmor&Cafe

#NumStragouNada