sexta-feira, 7 de abril de 2023

Kiaku Kiaku, Kiangani Kiangani - Um conto de Luis da Silva Ubuntu

 


Kiaku Kiaku, Kiangani Kiangani

Havia uma velha que vivia sozinha fazia muitos anos. Ela tinha uma casa de apenas um quarto. A velha era muito pobre, passava por muitas dificuldades, muitas vezes não tinha nem o que comer. Não havia energia em sua casa, nem um televisor, geleira ou qualquer outro aparelho elétrico. Tudo que ela tinha era um Luando onde dormia, um baú cheio de roupas velhas, o seu candeeiro de petróleo que havia encontrado na lixeira e um pano que usava todos os dias. 

Todos no bairro sentiam medo daquela velha. Diziam que era uma bruxa, que havia comido toda sua família por isso vivia na mais completa solidão. Ninguém importava-se com ela, jamais algum familiar foi procurá-la, se é que tinha algum! Ainda havia vizinhos que juravam que ela ressuscitou do mortos. Eles diziam que anos atrás, a velha tivera entrado em sua casa e só voltaram a vê-la um ano depois. Como é possível alguém ficar trancada por um ano? – Perguntavam-se eles. E a resposta que eles tinham para essa pergunta é que ela era mesmo uma bruxa.

Os mais velhos do bairro diziam que ela tinha 100 anos ou mais. Era visível o peso da idade nas suas pernas que viviam tremulas, ela usava um cajado para conseguir caminhar firmemente com o seu corpo cada vez mais inclinado. Seu cabelo, sobrancelha e suas pestanas eram todas brancas.  Ela tinha uma pequena lavra no seu quintal, onde tinha suas hortaliças plantadas, como: Kizaca, couve, berinjelas, rama-de-batata, e jimboa. Ela usava as suas hortaliças para sua alimentação e para vender. Porém, muito pouco ganhava nas suas vendas, a fama de bruxa fazia quase sempre a pobre velha voltar em casa com o seu negócio. Havia tempos difíceis, tempo que tudo na sua pequena lavra secava, tempo que a faziam passar dias sem comer qualquer coisa. Muitas das vezes batia à porta de pessoas para pedir ajuda, mas quase nunca conseguia. Várias vezes ela tinha de recorrer aos pães que eram deitados da padaria para ter qualquer coisa em sua casa.

Todos dias a velha pegava no seu negócio e partia para a praça vender, estendia um saco no chão e colocava todas suas hortaliças. Ela ficava afastada de todas outras vendedoras, não por opção, mas foi isso que todas outras senhoras decidiram, ninguém podia ficar próximo dela. Todas as tardes quando voltava para casa, cansada por ficar tanto tempo sentada e sem vender nada, ela tinha de ouvir as crianças do bairro zombando dela, ofendiam-na sempre que a vissem passar, algumas vezes jogavam pedras e corriam. Ela nunca retrucava, simplesmente seguia o seu caminho de volta a casa. 

Suas noites eram tristes, ela fazia uma pequena fogueira e sentava-se no seu banco, era assim que ela aquecia-se do frio. Muitas das vezes falava sozinha, o que ela dizia ninguém conseguia entender. Outras vezes era mesmo vista chorando, ninguém sabia porquê. Seu quintal era aberto, as pessoas sempre que passavam olhavam para ela e a ofendiam, principalmente quando acendia a sua fogueira, diziam que estava a fazer um ritual satânico. 

Fazia uns dias que a pobre velha mal comia alguma coisa nutritiva, quase duas semanas. Sua lavra estava totalmente seca. Tudo que ela tinha em sua casa era a água da chuva que havia reservado faz um tempo.  Ela sentia-se muito fraca, precisava comer qualquer coisa, nunca tinha ficado tanto tempo sem comer.  O peso da velhice e a fome estavam a ser muito cruéis com ela. Ela fez esforço para levantar-se, foi até a casa mais próxima da sua. Era a casa do Sr. Diabanza, um senhor que sempre a expulsava, mas ela acreditou que seria diferente dessa vez, acreditou que ele teria pena dela. Bateu na porta. Abriu justamente o Sr. Diabanza.

– Ajuda! Dá só comida. – falou a velha estendendo a mão para o senhor Diabanza assim abriu a porta. Sr. Diabanza a reparou de cima para baixo, percebeu que ela estava pior que das outras vezes. 

– Desapareça daqui, sua bruxa. Vá morrer longe! Nem se estiver a chover comida no mundo eu daria para você, velha bruxa! – falou irritado enquanto fechava a sua porta.  

A velha decidiu ir a lixeira, também não havia nada para comer. Enquanto voltava para casa, faminta, marcando passos mais lentos que noutrora marcava, ela viu uma carteira no chão. Ficou indecisa se apanhava ou não. Tinha receio que fosse uma armadilha dos moradores do bairro, mas acabou apanhando a carteira. Era uma carteira cheia de dinheiro, ela percebeu assim que abriu. Da mesma forma que percebeu pela foto que havia na carteira que ela pertencia ao seu vizinho, o vizinho que sempre a recusou ajuda, o vizinho que sempre dizia aos outros vizinhos para não a ajudarem. A carteira era do Sr. Diabanza, um senhor que era totalmente maldoso com ela, que muitas vezes olhava para o seu filho jogando pedra a velha e incentivava que atirasse uma pedra maior.  O mesmo vizinho que horas atrás recusou-se de lhe dar de comer.

Enquanto a pobre velha pensava no que fazer com a carteira, Sr. Diabanza estava desesperado em sua casa! Procurando pela carteira por tudo quanto fosse sítio, estava totalmente desorientando pensado no seu salário de 2 meses atrasado que recebeu, dinheiro que podia servir para garantir o pagamento da casa onde vivia, comprar comida, pagar a escola dos filhos e pagar todas dívidas que adquiriu nesses 2 meses sem salário. Onde será que está a maldita carteira!? – perguntava-se chorando de raiva e tristeza. 

A velha pensou que podia comprar a comida que quisesse, já que nunca ninguém recusava o seu dinheiro quando tivesse! Tomou a sua decisão e foi caminhando lentamente para casa. Como noutros dias as crianças aguardavam por ela no caminho para zombarem dela e a ofenderem. E como sempre, o filho do Sr. Diabanza estava lá, ofendendo e jogando sempre as maiores pedras. Nenhum adulto dava a mínima para isso, todos simplesmente olhavam. Alguns diziam se a velha não reclama eles não podem fazer nada, talvez até ela goste da dor. Ou talvez nem sentisse dor! – defendiam os outros.

Para o espanto de todos, a velha estava a dirigir-se para a casa do Sr. Diabanza, todos ficaram admirados! A velha nunca reclamava de nada, como é que hoje ela está a ir na casa de um dos rapazes? – perguntavam-se entre eles. Enquanto ela caminhava até a porta do Sr. Diabanza, muitos vizinhos, adultos como crianças a seguiam para saber o que ela estava a ir fazer. Bateu à porta assim que chegou, com todos vizinhos a sua volta a ofendendo. A porta abriu, e era novamente o Sr. Diabanza que abriu.

- O que vocês querem aqui? – falou olhando para os vizinhos, ignorando totalmente a presença da velha.

- Eu é que falar com você. – falou a velha, usando mais uma vez o português que pouco dominava. Todos riram-se por ela não expressar-se devidamente. Enquanto desamarrava o pano todos afastaram-se com medo que fosse alguma bruxaria.

Sr. Diabanza ficou incrédulo assim que a velha estendeu a mão, era a sua carteira na mão dela. Todos a volta também ficaram espantados, todos queriam ter apanhado a carteira, mas não seria para devolver. E justamente a pessoa mais pobre de todas encontrou e estava a devolver. Com lágrimas visíveis nos olhos perguntou o Sr. Diabanza:

- Por que estás a devolver? – ele tinha noção das suas acções.

- Kiaku Kiaku, Kiangani Kiangani. – respondeu a velha com um sorriso no rosto. – Usando a língua Kikongo. - Teu é teu, do outro é do outro. – traduziu a velha para todos que estavam aí.

Sr. Diabanza abraçou a velha chorando, todo mundo a volta sentiu-se impactado pela grande lição que a velha acabara de dar a todos. Desde esse dia em diante eles perceberam que a velha nunca foi maldosa com eles, eles é que sempre foram verdadeiros demónios para com ela.


Foto: Dona Maria (Google)

[Por: Luis da Silva Ubuntu livro “Contador de contos”] 

#DoSambilaParaOmundo

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10 comentários:

  1. Foi a melhor coisa que li hoje. É incrível como em um conto simples, tiramos tantas lições que nos são úteis ao nosso dia a dia.

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  2. Isso é a grande certeza que Deus é bom

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  3. Amei a história, desde que criança que os meus pais me ensinaram kyaku kyaku, Kiangani Kiangani♥️

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  4. Gostei muito 👏👏👏👏

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  5. Perfeito 👌🏿👌🏿

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